O meu pai mostrou-se tão receptivo à nossa relação que permitiu, em grande parte convencido pela minha mãe, que o Joaquim dormisse lá em casa quando eles não estavam. Garantia assim a minha segurança, mas para a época e, tendo em conta, a mentalidade retrógrada do meu pai, este era, sem dúvida, um grande passo. Claro que esta cedência do meu pai, facilitou em muito que eu e o Joaquim tivéssemos o nosso momento especial, há muito aguardado por ambos. Guardo essa noite como a mais especial, não a melhor, certamente. Entregámo-nos um ao outro de uma forma quase solene, unindo corpos, corações e almas, num abraço que parecia não ter fim. Um abraço tão desprovido de qualquer dúvida, insegurança ou mesmo pudor. Aos seus olhos sentia-me perfeita, sentia-me tão sua. Ao acordar, sendo ele a primeira imagem a recordar naquele dia, senti-me, subitamente, tão completa como nunca antes havia sentido.
Os meses foram passando e chegámos ao dia da comemoração do nosso primeiro ano de namoro. Estavamos tão unidos, fortalecidos, como se nos tratassemos de uma grande fortificação que havia sido solidamente construída desde as suas fundações. O Joaquim levou-me a passear até Sintra, uma estreia para ambos. E eis que, ao levar-me a um dos pontos mais altos da Serra, se ajoelhou aos meus pés e, segurando a minha mão, pediu-me que o desposasse. Tais palavras proferidas, tendo como pano de fundo toda aquela beleza, foram tão inesperadas que despertaram em mim tal pranto de felicidade. Por entre soluços e lágrimas, respondi-lhe um convicto SIM. Abraçámo-nos, chorando ambos, pois sabiamos estar preparados para aquele momento e já o esperávamos com tanta ansiedade.
Foi algo tão intenso que ainda hoje, ao lembrar, tenho sempre os olhos cobertos de água. Perdemos tanto de nós com o tempo.... Perdemo-nos tanto....
Ass: Rosa
Finalmente tínhamos a nossa relação perfeitamente assumida, já não era preciso namorar às escondidas de ninguém. Tinha o consentimento do seu pai, e isso na altura ainda era tido
Desde então a nossa relação havia evoluído muito. Os nossos encontros passaram de diurnos para nocturnos. Levava-a para jantar, ao cinema e às vezes ao teatro. Apesar de não ter prosseguido os estudos, fazia os possíveis por me cultivar, e se o pudesse fazer juntamente com a Rosa, melhor ainda. Era a minha companheira de tertúlias, discutíamos amenamente tudo o que perante nós se atravessava. Estávamos numa perfeita sintonia. Afinal de contas já não éramos crianças nenhumas e, ainda para mais, tínhamos um projecto comum, um futuro a dois.
Os meses foram passando e a confiança que os pais da Rosa tinham por mim fortalecera-se. Já me era permitido que, na ausência deles, passasse o fim-de-semana em casa deles. Esta permissão havia-me espantado um pouco dada a mentalidade conservadora do seu pai. Decerto seria a influência feminina daquela casa que me havia concedido tal benesse.
As tardes eram passadas, ora passeando pela praia, ora pelos jardins da cidade. Para mim a vida nunca fizera muito sentido longe da natureza. Não havia nada como contemplar a beleza da Rosa, tendo paisagens naturais como pano de fundo. Já as noites eram passadas no conforto da casa conversando sobre tudo sem qualquer objectivo que não o da companhia um do outro. Chegávamos a conseguir comunicar apenas por olhares, retirando toda a importância de que as altivas palavras se arrogam.
Já nos conhecíamos como se toda a nossa vida tivéssemos convivido intimamente. Sabíamos como o outro reagiria a determinado impulso. Já não tínhamos segredos, éramos como livros abertos, desprotegidos na confiança cega que sentíamos um pelo outro. Ainda assim, por várias vezes consegui surpreender a Rosa, com demonstrações do amor que sentia por ela. Tanto por palavras como por gestos.
Quão bom seria se hoje me apetecesse gritar em plenos pulmões perante todos o que sinto por ela. Com a idade perde-se coragem, perde-se jovialidade, perdem-se tantas coisas.
Ass: Quim
. dia-a-dia de outras familias
. mulher à beira de um ataque de nervos
. pessoal do meu bairro, venham cá a baixo