Com a Primavera, as horas de luz arrastavam-se enquanto nos perdíamos um no outro. Desde o início da minha relação com a Mafalda que esperava por este momento. As amarras que outrora me mantinham agarrado a um passado sem futuro já se haviam dissipado. Foi a Mafalda que não me deixou cair na indiferença com que habitualmente tratamos aqueles com quem privámos e que agora estão longe!
Estranhei não ter tido qualquer resposta da Rosa, mas também não era esse o intuito da carta que lhe enviara. Queria paz de espírito e tinha-a agora. Vivia o dia-a-dia de forma despreocupada, coisa que só se pode fazer mesmo naquela idade. Continuava no meu trabalho na loja de discos. Tinha poucas responsabilidade e nem sequer era mal pago. O melhor desse trabalho era estar constantemente a descobrir sonoridades novas. Várias vezes levava discos para ouvir em casa. Era um espécie de simbiose a que eu mantinha com as bandas nas horas mortas. Elas acompanhavam as minhas divagações, os meus sonhos, as minhas expectativas.
Todos os dias ao entardecer, após fechar a loja, ia ter com a Mafalda. Aproveitávamos todos os momentos possíveis para estarmos juntos. Com o tempo fui criando uma adição inexplicável à presença dela. Já não equacionava como possível passar um dia que fosse sem estar com ela, nem que fosse só para falar sobre como nos tinha corrido o dia. Os temas desinteressantes ganhavam um interesse inédito.
Quanto às aulas de guitarra já as havia abandonado. Não tinha um especial jeito para tocar guitarra e muito menos para aprender toda a teoria da guitarra clássica. Fiquei-me por tê-la como um passatempo. Já a Mafalda tinha um interesse bem mais profundo que eu. Continuava nas aulas e a evolução que fizera era já perceptível. Dias haviam em que me tentava ensinar qualquer coisa, e eu ficava olhar a destreza e graciosidade com que tocava, sem sequer tomar atenção ao que me estava a tentar transmitir.
Por várias vezes eu e a Mafalda adormecíamos a falar um com o outro, e uma vez que acordava sempre antes dela, passava largos minutos a observá-la. Era nesses momentos em que pensava no que nos reservaria o futuro. Novamente idealizava um futuro a dois a longo prazo. Se fosse possível parar o presente o transpor-lo para o futuro, com certeza que seria diferente. O problema é que se tem que viver...
Ass: Joaquim
. dia-a-dia de outras familias
. mulher à beira de um ataque de nervos
. pessoal do meu bairro, venham cá a baixo